
São Paulo a afirma numa fórmula
explicitamente dogmática: “Há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus
Cristo homem, que se deu em resgate por todos.”
(1 Tim 2, 5 e 6).
À luz desta afirmação, poderíamos
concluir: Jesus é o caminho de Deus e para Deus.
Talvez convenha nos formulemos
uma pergunta muito simples, que por tão simples, nunca nos formulamos: Que é
mesmo um “mediador”?
Santo Tomás de Aquino, em a Summa
Theologiae, faz uma análise muito arguta da mediação de Jesus Cristo e a
fundamenta exatamente neste pressuposto do que vem a ser um “mediador”.
Ele explica: “mediatoris officium
proprie est conjungere eos inter quos
est mediator: nam extrema uniuntur in medio.”
Traduzindo: “função do mediador propriamente é unir aqueles entre os
quais ele é mediador, pois os extremos se unem no meio.” (Summa Theologiae,
P.III, Q.XXVI, Art. 1) É esta a função de Cristo, que está entre Deus e a
humanidade.
Este, portanto, que une o Criador
infinito com a humanidade finita, que
estabelece relações, que implora e consegue favores de Deus, leva os nossos
rogos e precisões de pecadores Àquele que é a santidade em si mesmo, – este é o
sumo e único Mediador.
E diz mais o grande Santo Tomás:
“Só Cristo é o perfeito mediador entre Deus e os homens, porquanto através de
sua morte reconciliou o gênero humano com Deus. Daí procede que quando o
Apóstolo disse: mediador entre Deus e os
homens é o homem Cristo Jesus, logo acrescentou (v.6): Que se deu a si mesmo em
redenção para todos.” (Summa Theologiae, na conclusão do art.1, citado acima).
Importante ponderar ainda que,
sendo Deus infinitamente superior a todos, e nós a ele infinitamente
inferiores, necessário se tornava que o mediador tivesse algo de comum com Deus
e com os homens. Isto se realizou perfeitamente em Cristo, que, sendo Deus,
encarnou-se, tornando-se perfeitamente homem.
Lembremos o texto da carta de
Paulo aos Filipenses: “Sendo ele o Verbo de condição divina, não se prevaleceu
de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de
escravo e assemelhado-se aos homens”. (Fil 2, 5-8).
Esta expressão “assemelhando-se
aos homens” deve ser explicada. Na verdade, o Verbo de Deus não somente se
assemelhou aos homens. Sim, assemelhou-se também. Mas, em verdade, fez-se
homem, tornou-se homem.
Cristo mediador tem, em seu ser,
a perfectibilidade da mediação, pois ele partilha de ambas as naturezas: a de
Deus, pois é seu Verbo e seu Filho, e a dos homens, pois é homem perfeito e
nosso irmão maior – “o primogênito entre muitos irmãos”, como diz Paulo na
Carta aos Romanos (Ro 8, 29).
Estamos aqui diante do ser
mediador de Cristo, aquilo que os teólogos chamam mediação quoad esse. Pois a
mediação se entende quanto ao esse (ser) e quanto ao operari (agir, fazer).
Jesus Cristo é mediador pelo seu próprio “ser”: Deus-Homem. Mas o foi também
pelo que operou: “a reconciliação de tudo em si mesmo pelo sangue da cruz” (Cl
1, 20)
Afirmar que Jesus é Mediador é de
uma riqueza incomparável na ordem teológica e humana. Significa que o céu e a
terra se encontraram em Jesus Cristo, que Deus e o homem se unem no perfeito
sentido religioso, da palavra latina religare.
De religare é que procede
religio, em português religião. Religião
exprime todo o conjunto de práticas pelas quais os homens buscam ligar-se a
Deus.
Religare: ligar de novo os que
estavam separados. A obra mais excelente criada por Deus, o homem, “imagem e
semelhança de Deus”, não podia mais
voltar a Deus, não podia por si unir-se a ele. O pecado original levantara um
muro de separação entre a humanidade criada e Deus Criador. A Encarnação rompeu
este muro, refazendo a união entre ambos. Aqui está o esse, o ser da mediação
de Jesus, Verbo Encarnado.
Em Jesus Cristo, Homem e Deus, a
humanidade liga-se de novo a Deus. Poderíamos dizer: Jesus é o caminho de Deus
e para Deus. “Eu sou o caminho a verdade e a vida, ninguém chega ao Pai senão
por mim”. (Jo 14, 6).
E mais ainda, todos os homens se
unem entre si por causa de Cristo e em Cristo. A mediação de Jesus não é só
entre Deus e a humanidade; é também entre povos e nações e facções humanas,
entre gentios pagãos e o povo eleito de Deus que já existia. A mediação de
Cristo é a paz no sentido mais radical.
Significativo, a propósito, o
texto de São Paulo aos Efésios que está em Ef 2, 11-19:
“Já não sois hóspedes nem
peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus,
edificados sobre os apóstolos e os profetas como fundamentos, sendo o próprio
Cristo a pedra angular. É nele que todo o edifício, harmonicamente disposto, se
levanta para ser um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros
entrais em conjunto, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna habitação de Deus.”
Lendo-se este texto e
meditando-o, compreendemos que Paulo acena para a Igreja de Cristo, “edificada
sobre os apóstolos”, “templo santo do Senhor”, “que se torna habitação de
Deus”. É aí que se religam Deus e a humanidade. É este o templo da verdadeira
Religião (de religare) à que nos referimos acima.
Temos, assim, em Jesus duplo
sentido da religião que precede de religare – restabelecer a união: 1) ligados
de novo, os homens a Deus; 2) ligados de novo os homens entre si, sem
inimizades, por causa de Cristo.
Religião é união com Deus.
Religião é amizade, afeto fraterno entre os que estão em Cristo. Os que crêem
em Cristo são chamados a professar e criar a religião entre todos. É a paz como
fruto da fé.
A paz está no centro dos anseios
humanos, e sobretudo dos anseios de Deus. Ela começou quando Cristo nasceu, e,
por isso, os anjos cantaram: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos
homens amados por Deus”. (Lc 2, 14). Ele mesmo é a nossa Paz. (Ef 2, 14). Os
textos proféticos de Isaias falam de uma paz messiânica inimaginável. Uma paz
que certamente não se realizará. (Cf Is. 19, 6-10). Este texto é um símbolo,
uma alegoria do que os homens devem criar.
A paz entre os homens nascerá do
perdão. Ou nunca se dará. Eis a advertência de Jesus: “Se perdoardes aos homens
as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes
aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará.” (Mt 6,14)
É admirável que Jesus não só
curou tantos enfermos, mas que também lhes perdoou os pecados. E assim lhes
restituiu a paz. Fazia parte de sua atividade messiânica e mediadora.
Significativo, a propósito, o que está no episódio da cura do paralítico.(Mt 9,
2-9)
Perdoar pecados é mais do que
curar fisicamente as pessoas, porque é curá-las no seu interior, e não só por
fora. É o ponto mais alto e mais sublime da mediação de Jesus quanto a seu
operar.
Por isso, também, ele deixou este
poder de “perdoar pecados” aos ministros de sua Igreja. “Como o Pai me enviou,
assim também eu vos envio...Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes
os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles
a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.”(Jo 20, 21-24)
Bendigamos para sempre ao nosso
divino Mediador, que estendeu até nós a alegria do perdão de nossos pecados. O
perdão é a fonte da paz.
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