Cantos Gregorianos - Salmos

terça-feira, 15 de julho de 2014

Os Vícios segundo a tradição Monástica

A doutrina dos oito vícios é um capítulo interessante da psicologia monástica. Foi desenvolvida, sobretudo, por Evágrio Pôntico e Cassiano, mas aparece também em Clímaco, em Máximo Confessor e em outros. Nela se distinguem estes oito vícios: gula, luxúria, cobiça, tristeza, ira, acídia (preguiça), vaidade e orgulho. A cada um destes oito vícios Evágrio atribui um demônio, que determina suas características. Nem todos provocam os mesmos pensamentos. Um provoca pensamentos de cobiça, outro pensamentos de orgulho. Nisto os demônios se distinguem também de acordo com sua espécie. Alguns são leves e atacam de repente - por exemplo, o demônio da luxúria. O demônio da acídia, pelo contrário, é pesado e pouco a pouco oprime a alma com sua força cada vez maior. A estrutura dos oito vícios se dá de acordo com a tríplice divisão da alma segundo Platão. Os três primeiros vícios são atribuídos à parte dos desejos (epithymia), os três seguintes a parte excitável ou emocional (thymos), e os dois últimos a parte espiritual (nous). Os três primeiros vícios - GULA, LUXÚRIA e COBIÇA - são instintos básicos fundamentais. Poderíamos atribuí-los a fase oral, anal e fálica no desenvolvimento da primeira infância. Estes instintos fazem parte da natureza humana, e não nos é possível simplesmente eliminá-los. Eles têm que ser integrados, é preciso que lhes seja imposta a reta medida. Os três vícios seguintes - TRISTEZA, IRA e ACÍDIA - são estados negativos de ânimo, muito mais difíceis de ser superados. Estes estados não se deixam dominar como os instintos. O reto convívio com eles exige um equilíbrio da alma e uma maturidade interior, a que só podemos chegar quando nos ocupamos honestamente com os pensamentos e os estados de ânimo, e quando “nos abrimos” sem reservas para Deus. Mais difícil ainda é combater os dois últimos vícios - VAIDADE e ORGULHO -, porque o espírito é o mais difícil de ser domado. Aqui é onde com mais facilidade os demônios podem enganar alguém. A respeito dos oito vícios Evágrio fala de diferentes maneiras. Ele pode falar de impulsos e estados de ânimo, ou de pensamentos de cobiça ou de ira, ou então falar do demônio da cobiça, do demônio da ira. Ele, por conseguinte, personifica o vício. É como se fosse um interlocutor autônomo, um demônio que tenta alguém e que procura impeli-lo para um instinto, para uma emoção ou para uma cegueira espiritual. E cada um dos oito demônios possui sua técnica própria. O fato de identificar os demônios com os oito vícios mostra mais uma vez que na demonologia de Evágrio não se trata tanto de fenômenos extraordinários, como possessão, mas sim do elemento tenebroso e mau que cada pessoa experimenta em si, da luta contra as falsas atitudes interiores que procuram se estabelecer em nós, desta maneira criando obstáculos a nossa abertura para Deus. Evágrio descreve um por um os oito demônios que se encontram por trás dos diversos vícios.

sábado, 12 de julho de 2014

SER SANTO NA CARTUXA

A Cartuxa é apreciada porque o seu maior objectivo é que não se fale dela. Não faz campanhas vocacionais, nem cultiva acções promocionais. É, aliás, a muito custo que abre as suas portas a visitantes. Em Portugal, quando o jogador Eusébio veio para o Benfica, veio também um jogador para o Sporting vindo da então colónia, Moçambique. Já ninguém se lembra dele. Nos idos anos 70 foi comentado na imprensa o facto de ter entrado como noviço na Cartuxa Scala Coeli (escada do céu) em Évora, Portugal. Ainda é vivo, e é um Irmão na cartuxa italiana da Serra de São Bruno, na Calábria. Silenciosamente, na solidão do mosteiro, faz o seu caminho da "escada do céu"! O seu caminho de santidade!

Na Cartuxa, importante É SER santo e não que se seja chamado santo. Tudo está centrado no essencial, em Deus. Tudo se apaga para que Ele brilhe. Tudo se silencia para que Ele fale. Não se fazem ensaios de cânticos. Quem vem de novo integra-se na oração com os outros. Os cartuxos são inflexíveis em muitos aspectos. No despojamento, por exemplo. Não aceitam dignidades, distinções ou condecorações por parte da Igreja. Um dos seus lemas é «non sanctos patefacere sed multos sanctos facere», que pode ser traduzido assim: «Fazer santos, não fazer propaganda deles». Não tomam, por isso, nunca a iniciativa para conseguir a canonização dos seus membros. Nem sequer possuem um catálogo dos seus santos. Quando morre alguém com uma vida excepcionalmente santa, ninguém lhe escreve a biografia. Habitualmente, dentro da Ordem, sobra apenas um comentário: «Laudabiliter Vixit». Os princípios por que se norteia o monge são a quietude, a solidão, o silêncio e a procura do Divino. A Cartuxa não quer a fama. Se ela existe, são outros que a propagam. Quando um cartuxo passa por outro não diz nada. Ou talvez diga sem dizer. O silêncio é capaz de captar o essencial. E o essencial vem do fundo. Se houver atenção, somos capazes de lá chegar. Certas palavras, muitas palavras só atrapalham.

por Victor Henriques

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Os Pensamentos e a Oração na tradição.

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As raízes primitivas da tradição contemplativa são sem dúvida os Evangelhos e a vida de oração de Jesus, que buscava frequentemente o silêncio e solidão para estar em comunhão com seu Pai. Ele falava do Reino interior, dizendo-nos para ao rezar, entrarmos em nosso quarto, fechar a porta e lá, orar ao mesmo Pai no qual nos assegura sua união e a nossa, através d’Ele. Um dos pilares da tradição cristã é que temos em Jesus de Nazaré em suas parábolas e histórias, na tradição do Evangelho, uma entrevisão do que sejam as possibilidades do desenvolvimento humano. Temos uma visão de um Deus Amor do qual somos parte inerente e também que podemos abrir-nos a união de toda nossa vida, todo nosso ser nesse Deus, e fazer disso uma imensa e ilimitada capacidade de dar e receber amor. Muitas vezes, entretanto, nem sempre temos a certeza de como caminhar nessa trilha, o "caminho estreito" do qual Jesus falava, que nos possibilite fazer dessa transformação uma realidade.

Falando de transformação somos lembrados de que na prática da oração contemplativa somos parte de uma tradição antiga que remonta às comunidades primitivas nos desertos da África e no Oriente Médio. Isto pode ajudar-nos a refletir sobre a tradição dos Padres e Madres do Deserto, como uma das primeiras tentativas de cristãos viverem radicalmente o Evangelho, de uma forma mais sincera e radical, de tornar-se bom como Deus é Bom e aprender a amar verdadeiramente como Jesus ensinou.

O desenvolvimento do monaquismo do deserto acontece no contexto histórico do Concílio de Nicéia, o final da época dos martírios e o movimento para o deserto, particularmente no alto e baixo Egito, por cristãos buscando fuga da sociedade corrupta, elevados impostos e conturbação social.

Três modelos iniciais de monaquismo floresceram a partir do III ao VI séculos em três áreas geográficas. No baixo Egito a vida monástica eremítica é melhor representada por Antão, o Grande, um copta, que deixou uma vida de riquezas para estar só como eremita no deserto. Sua vida foi escrita por Athanásio, em "Vida de Antão". A abordagem eremítica enfatiza o individualismo e a solidão, com grupos que livremente se reuniam junto a um mestre ou pai espiritual, os "abbas".

O segundo modelo aconteceu em Nitria e Scetis, a oeste do delta do Nilo, onde surgem pequenos ajuntamentos livres de monges vivendo juntos sob a direção de um "abba". Estes grupos chamavam-se "sketes" ou "lauras". Esta é a área onde João Cassiano reuniu seus relatos sobre a prática do deserto e posteriormente as transformou em suas "Conferências". Esses monges eram mais letrados, já que haviam centros acadêmicos nas vizinhanças e foi ali, que Pai (abba) Evágrio Pôntico escreveu seus trabalhos, o "Praktikos" e os "Capítulos sobre a Oração". É também dessas duas regiões que se originam os "Dizeres dos Padres do Deserto – os Apophetégmas. Os monges dessa área viviam em extrema pobreza e simplicidade, devotando-se a uma vida de oração e trabalho manual, tais como tecer cestos, e vivendo uma vida que era apenas a manutenção da subsistência.


A terceira forma de monasticismo se desenvolveu no Alto Egito. Este estilo enfatizava o cenobitismo ou a vida em comum, de oração e trabalho, mais comum no ocidente. Esta forma foi talvez melhor representada pela comunidade de Tabennsi, dirigida por Pai Pacômio (290-347). Outras formas de monasticismo floresceram na Síria, Ásia Menor e Gaza, na Palestina. O objetivo de todo esse modo de vida, era proporcionar as melhores condições para se viver radicalmente o Evangelho de Cristo e tornar possível o tipo de mudança que Jesus propusera. Os monges desse período teciam algumas suposições. Não diferentemente do nosso tempo atual, eles pensavam que havia algo em nossa condição humana que necessitava de cura, como se evidenciava na sociedade e cultura em que viviam e que produzia uma grande carga de sofrimento. Dessa forma, para que alguém se tornasse mais completamente acessível a Deus e à transformação do Espírito Santo, alguma forma de solidão e separação física da influência da sociedade humana era necessária. Outro aspecto do início do monasticismo foi a conclusão, ou melhor, a descoberta que os monges fizeram; a de que havia algo sobre a natureza de nossos pensamentos e nossos apegos a eles e que nos tornam suscetíveis ao pecado e incapazes de viver o Evangelho radicalmente. Eles concluíram que devemos buscar um silêncio interior no qual possamos ter maior liberdade em relação aos nossos pensamentos, que nos permita encontrar a Deus mais completamente e não ficarmos sujeitos à escravidão de nossos próprios pensamentos.

Pai Amonnas foi perguntado: "o que é o" caminho estreito e apertado"? Ele respondeu, "o caminho estreito e apertado é este: controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade, por amor a Deus. Este também é o significado da fala, "Senhor, deixamos tudo e te seguimos". Os monges começaram a compreender que, se eles deviam se transformar em Deus, eles deviam ser capazes, de alguma maneira, de serem liberados da condição humana que se manifestava na fragmentada civilização romana ao redor deles e dentro de si próprios, através da liberação e controle de seus próprios pensamentos. Então, o controle dos pensamentos começa a ser relacionado com a oração contínua. Controle de pensamentos, liberação de pensamentos, tornaram-se o portal para a liberação do coração tornando-o consciente da Presença de Deus. Quando perguntado sobre o que um monge devia fazer depois que seu coração estivesse purificado dos pensamentos, Pai José disse, elevando seus braços para o céu e seus dedos tornando-se como dez lâmpadas de fogo: "por que não se transformar completamente em fogo?".

A grande compreensão obtida pelos antigos Padres e Madres do Deserto foi que a "pura intenção" conduz à "pureza do coração" – (Thomas Keating, OCSO).

Um mestre de enorme sabedoria e capacidade de articulação do caminho contemplativo foi Evágrio Pôntico. Ele estabelece três elementos da vida espiritual contemplativa em seu trabalho "Pratikos" e "Capítulos sobre a Oração". O primeiro é "pratike", ou como se desprender de pensamentos inúteis. O segundo é a contemplação do Criador em sua Criação, o aspecto encarnacional da prática contemplativa. E o terceiro, a contemplação sem imagens de Deus mesmo, ou oração pura. Esta é a dimensão "apofática" primária dessa prática.

Seguindo o conselho de Jesus de que o pecado ou o mal começa com nossos pensamentos, Evágrio categoriza oito tipo de pensamentos: aqueles sobre desejo, gula, concupiscência, avareza, e aqueles de aversão ou irascibilidade, tristeza, raiva, vanglória e orgulho. O oitavo é a acedia ou apatia, que é considerado o mais sério dos pensamentos porque envolve a tentação de desistir da jornada espiritual. Existe o reconhecimento por parte de Evágrio, de que os obstáculos à completa consciência de Deus, de estar em paz com Deus, começam com pensamentos que nos tiram de nosso próprio centro e de nosso descanso completo n’Ele. Aprendendo a controlar os pensamentos, não dando atenção ou intenção aos mesmos, eles perdem seu poder sobre nós. Com o tempo começamos a alcançar aqueles degraus do estado de "apatheia" (não, "apatia" – mas algo como a "indiferença" diante das paixões – nota da tradutora) que é o estado de calma e paz, encontrada na libertação das paixões e da inquietude. Aqueles que rezam atingem essa liberdade, deixando que os pensamentos surjam e desapareçam sem lhes dar o poder da volição, isto é, do desejo.

Esta é uma premissa chave para a compreensão do caminho da paz e da liberdade. Para Evágrio é o limiar, e apenas o limiar para o completo exercício da Fé, que é dar o nosso radical consentimento à Presença e Ação de Deus. Mas isto também é uma grande compreensão psicológica e espiritual da liberdade, tanto do pecado como de estados emocionais perigosos. Ambos se iniciam com o pensamento. Quanto mais conscientes possamos estar dos pensamentos, mais escolhas poderemos fazer em relação aos mesmos e àqueles aos quais damos volição e as consequências advindas. Discernimos se os pensamentos nos conduzem à paz e a Deus ou para longe de ambos, e se trazem maior desarmonia em relação à Presença de Deus dentro de nós. Também atingimos o estado do "puro ser" que é abaixo, acima e além da vontade.

A "pratike" então, nos conduz à "apatheia" – indiferença, que por sua vez nos conduz a um maior desejo do amor de Deus, que ainda nos conduz à intencionalidade e ao radical consentimento de nos entregarmos, de nos abandonarmos, nossas vidas, nossa vontade ao Deus que nos habita.

O segundo elemento da prática é buscar, através de imagens e do mundo natural, o significado interior da criação. Este é o modo Catafático, e o caminho da reflexão, em buscar de modo encarnacional e intelectual, um estado de maior devoção e compromisso com o caminho espiritual, mantendo a mente fixa em Deus. De modo que o negativo, os pensamentos envolventes, escravizantes, são substituídos por pensamentos de busca de Deus.

O terceiro elemento da prática é a contemplação de Deus, ou Oração Pura. Este é o modo Apofático ou oração sem imagens, que os dois caminhos anteriores preparam. Ele é na verdade o abandono de todos os pensamentos que nos prepara para, como vasos que irão receber o dom da contemplação, a consciência direta da Divina Presença. "Feliz é aquele que atinge a perfeita não-forma na hora de sua oração…. feliz é aquele que atinge a completa inconsciência de toda experiência sensível na hora da oração", disse Evágrio Pôntico.

Santo Isaías, o Solitário, um monge do deserto da Palestina, asseverava a prática da lembrança de Deus como um despertar ou descobrir da Divina Presença que habita dentro do coração e que os pensamentos são um obstáculo a esta completa realização. Interessante que ele usa para oração, o termo, "lembrança de Deus", usada pelos Sufis na prática Dikhr, de cantos repetitivos. Contudo, ele não formula uma metodologia para manter esse foco.

João Cassiano em seus relatos do monasticismo egípcio, na "Décima Conferência" detalha o uso de uma fórmula de oração como um artifício para focalizar a concentração na oração. Fala de como os monges incorporaram uma palavra ou frase da Escritura como Palavra Sagrada. Dizer uma "Palavra de Salvação" em oração, ou conceder uma "Palavra de Salvação" ao ensinar e abençoar, eram práticas comuns, na época. Ele recomenda uma frase do salmo, "Vinde, ó Deus em meu auxílio, Senhor, apressai-vos em socorrer-me". Ele vê isso como uma fórmula de oração contínua, para ser usada e incorporada em nossa consciência, de modo que se possa "rezar sem cessar". Ele não descreve ou dá instruções sobre como tratar os pensamentos, mas focaliza a intenção à qual o devoto retorna incessantemente, dirigindo todos os seus pensamentos e desejos a Deus. O bem que daí se origina permite ao devoto mudar de pensamentos e prazeres que o distraem, para Deus apenas. "Então, se cumprirá em nós o que o Senhor pediu quando orava a Seu pai, ao dizer: "Que o Amor que tens por mim esteja neles e eles em nós".

A oração de Cassiano permanece como primeira invocação na Liturgia das Horas, até hoje. A prática de rezar com uma palavra ou frase da Escritura foi trazida para o Monaquismo Ocidental através da prática da Lectio Divina. Mais tarde ela seria articulada de um modo mais formal.

Acompanhando Cassiano, ocorreram outros desenvolvimentos no pensamento sobre oração na tradição do deserto. Talvez o mais importante desse período, que continua na tradição Ortodoxa Oriental até os nossos dias, foi o desenvolvimento da Oração de Jesus como uma forma potente e onipresente da "lembrança de Deus". Acredita-se no poder do santo nome de Jesus, que por si só contenha um poder purificador e um efeito salvífico, além da ajuda psicológica em abandonar-se os pensamentos perturbadores. A tradição oriental da oração do deserto é talvez melhor expressa por João Clímaco, um monge que viveu próximo ao Sinai por volta do ano 600. Ele advocava a oração de uma frase, chamada de "monologistos". Ele acrescentou a dimensão de se harmonizar à oração com a respiração. Em sua "Escada para a Ascensão Divina", ele dá a dimensão maior da prática contemplativa oriental ortodoxa. A prática é a seguinte, e um degrau conduz ao próximo: 1 – Quietude de pensamentos (apotheseis), e 2 – a lembrança de Jesus unida à respiração, conduzindo à apreciação da quietude (hesychia). A fase inicial é desligar-se de distrações na prática do monologistos, a fase do meio é a concentração no que está sendo dito, e a conclusão é o arrebatamento no Senhor. O resultado dessa prática é a conversão de todo desejo, num único, Deus. "Conheço hesycastas cujo ímpeto incendiado para Deus é ilimitado. Eles geram fogo por fogo, amor por amor, desejo por desejo". – João Clímaco.

O uso da "Oração de Jesus" ou "Oração do Coração", passa por um desenvolvimento maior nos nossos dias, na tradição oriental. E Philotheus do Sinai, em seus "Escritos sobre a Filocalia na Oração do Coração" também amplia a psicologia dos pensamentos, pecado e vícios. Ele descreve a habilidade da mente em resistir ao abandono dos pensamentos e, por conseguinte, obter maior liberdade. Ele também fala do processo de enredar-se em armadilhas dos pensamentos, como: 1. (impacto) – o primeiro estágio quando o pensamento ou imagem surge na mente, 2. (combinação identificação) – quando a mente se ocupa com algum desejo ou interesse do pensamento ou imagem, apego, ao invés de desapego, 3. (mesclando-se com) – o envolvimento ativo do desejo com o pensamento ou imagem escolhida, 4. (captura) – a imagem ou pensamento se torna escolha ativa em direção à ação ou dependência, ou completo envolvimento no pensamento ou imagem, em desacordo com a busca de Deus. Esta compreensão é consistente com as teorias cognitiva/afetiva e cognitiva/comportamental atuais.


Em resumo, desde os tempos dos Padres e Madres do deserto os monges têm procurado aprofundar sua busca e experiência de Deus. Nessas buscas e descobertas, temos o essencial daquilo que sabemos ser uma prática bem formulada da Oração do Coração. Estas incluem, primeiramente, a teologia da Presença que nos habita, e a assertiva que a promessa dos Evangelhos de Jesus se realiza em nosso despertar para por, bem como nossa entrega total e refúgio na Vida de Deus, no Centro de nós mesmos. O outro ensinamento essencial é que há um método simples, uma maneira de consentir e vencer os obstáculos de nossos próprios pensamentos, parte inerente da nossa condição humana, na mais profunda paz, alegria e completa transformação em Deus, rezando em silêncio e quietude, no centro mesmo de nosso ser, o Coração. E podemos facilitar esse processo simplesmente nos estabelecendo numa "Palavra Sagrada" que é o nosso símbolo de entrega radical e refúgio na Presença do Deus que nos habita. Com o tempo, nossa Intenção de Amar, o grande mandamento de Jesus, é a prática purificada e o compromisso fortalecido que contagia toda nossa prática de oração, toda nossa vida, levando ao completo abandono em Deus. E ao final, os frutos dessa transformação em Deus nos conduzem a uma crescente capacidade de amar a Deus, a nós mesmos, aos outros, ao mundo em que vivemos e a servir no mundo pela paz e justiça.

domingo, 6 de julho de 2014

"A ORAÇÃO DO CORAÇÃO"



"A oração hesicástica, que leva ao descanso em que a alma habita com Deus, é a oração do coração. Para nós que damos tanta importância à mente, aprender a rezar com o coração e a partir dele tem importância especial. Os monges do deserto nos mostram o caminho. Embora não exponham nenhuma teoria sobre a oração, suas narrativas e seus conselhos concretos apresentam as pedras com as quais os autores espirituais ortodoxos mais tardios construíram uma espiritualidade magnífica. Os autores espirituais do monte Sinai, do monte Atos e os startsi da Rússia oitocentista apóiam-se todos na tradição do deserto. Encontramos a melhor formulação da oração do coração nas palavras do místico russo Teófano, o Recluso: "Rezar é descer com a mente ao coração e ali ficar diante da face do Senhor, onipresente, onividente dentro de nós". No decorrer dos séculos, essa perspectiva da oração tem sido central no hesicasmo Rezar é ficar na presença de Deus com a mente no coração, isto é, naquele ponto de nossa existência em que não há divisões nem distinções e onde somos totalmente um. Ali habita o Espírito de Deus e ali acontece o grande encontro. Ali, coração fala a coração, porque ali ficamos diante da face do Senhor, onividente, dentro de nós. É bom saber que aqui a palavra "coração" é usada em seu sentido bíblico pleno. em nosso meio, ela se tornou lugar-comum. Refere-se à sede da vida sentimental. Expressões como "coração partido" e "sentido no coração" mostram ser comum pensarmos no coração como o lugar quente onde se localizam as emoções, em contraste com o frio intelecto onde têm lugar nossos pensamentos. Mas, na tradiçao judeu-cristã, a palavra "coração" refere-se à fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

No coração, originam-se impulsos impenetráveis, além de sentimentos, disposições e desejos conscientes. O coração também tem suas razões e é o centro da percepção e do entendimento. Finalmente, ele é a sede da vontade: faz planos e chega a uma boa decisão. Assim, é o órgão central e unificador de nossa vida pessoal. Nosso coração determina nossa personalidade e é, portanto, não só o lugar onde Deus habita mas também o lugar ao qual Satanás dirige seus ataques mais ferozes. Esse coração é o lugar da oração. A oração do coração dirige-se a Deus a partir do centro da pessoa e, assim, afeta toda a nossa compaixão.

Um dos monges do deserto, Macário, o Grande, diz: "A tarefa principal do atleta (isto é, do monge) é entrar em seu coração".Isso não significa que o monge deva procura encher sua oração de sentimento; significa que deve esforçar-se para deixar que ela remodele toda a sua pessoa. O discernimento mais profundo dos monges do deserto é que entrar no coração é entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, o caminho para Deus é pelo coração. Isaac, o Sírio, escreve:



"Procure entrar na câmara do tesouro... que está dentro de você e então descobrirá a câmara do tesouro do céu. Pois ambas são a mesma coisa. Se conseguir entrar em uma, você verá ambas. A escada para este Reino está escondida dentro de você, em sua alma. Se você purificar a alma, ali verá os degraus da escada que deve subir."

E João de Cárpato diz: "É preciso grande esforço e luta na oração para alcançar aquele estado da mente que é livre de toda perturbação; é um céu dentro do coração (literalmente 'intracardíaco'), o lugar onde, como o apóstolo Paulo assegura, "Cristo está em vós" (2Cor13,5).

Em suas falas, os monges do deserto nos indicam uma visão bastante holística (única) de oração. Eles nos afastam de nossas práticas intelectuais, nas quais Deus se transforma em um dos muitos problemas com os quais temos de lidar. Mostram-nos que a verdadeira oração penetra no âmago de nossa alma e não deixa nada sem tocar. A oração do coração não nos permite limitar nosso relacionamento com Deus a palavras interessantes ou emoções piedosas. Por sua própria natureza, essa oração transforma todo o nosso ser em Cristo, precisamente porque abre os olhos de nossa alma à verdade de nós mesmos e também à verdade de Deus. Em nosso coração passamos a nos ver como pecadores abraçados pela misericórdia de Deus. É essa visão que nos faz clamar: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim, pecador". A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.

Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso. Essa verdade é o que nos dá o "descanso" do hesicasta. Quando ela se abriga em nosso coração, somos menos distraídos por pensamentos mundanos e nos voltamos mais sinceramente para o Senhor de nossos corações e do universo. Assim, as palavras de Jesus: "Felizes os corações puros: eles verão a Deus" (Mt 5,8) tornam-se reais em nossa oração. As tentações e as lutas continuam até o fim de nossas vidas, mas com um coração puro ficamos tranquilos, mesmo em meio a uma existência agitada.

Isso levanta o problema de como praticar a oração do coração em um ministério bastante agitado. É a essa questão de disciplina para a qual precisamos agora voltar a atenção.

Oração e Ministério

Como nós, que não somos monges nem vivemos no deserto, praticamos a oração do coração? Como ela influencia nosso ministério cotidiano?

A resposta a essa pergunta está na formulação de uma disciplina definitiva, uma regra de oração. Há três características da oração do coração que nos ajudam a formular essa disciplina:

A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples.
A oração do coração é incessante.
A oração do coração inclui tudo.
Alimenta-se de Orações Breves.

No contexto de nossa cultura verbosa, é significativo ouvir os monges do deserto nos aconselhando a não usar palavras em excesso:

"Perguntaram ao Aba Macário: 'Como se deve rezar?' O ancião respondeu: 'Não há, em absoluto, necessidade de fazer longos discursos; basta estender a mão e dizer: Senhor, como queres e como sabes, tem misericórdia. E se o conflito ficar mais ameaçador, dizer:Senhor, ajuda. Ele sabe muito bem do que precisamos e nos mostra sua misericórdia'".

João Clímaco é ainda mais explícito:
"Quando rezar, não procure se expressar em palavras extravagantes pois, quase sempre, são as frases simples e repetitivas de uma criancinha que nosso Pai do céu acha mais irresistíveis.
 Não se esforce em muito falar, para que a busca de palavras não lhe distraia a mente da oração. Uma única frase nos lábios do coletor de impostos foi suficiente para lhe alcançar a misericórdia divina; um pedido humilde feito com fé foi suficiente para salvar o bom ladrão. A tagarelice na oração sujeita a mente à fantasia e à dissipação; por sua natureza, as palavras simples tendem a concentrar a atenção. Quando encontrar satisfação ou contrição em determinada palavra de sua oração, pare nesse ponto".

Essa é uma sugestão muito útil para nós que tanto dependemos da capacidade verbal. A tranquila repetição de uma única palavra ajuda-nos a descer com a mente ao coração.(Também a base da OC, nota da autora do site). Essa repetição nada tem a ver com mágica. Não tem o propósito de enfeitiçar Deus, nem de forçá-lo a nos ouvir. Pelo contrário, uma palavra ou sentença repetida com frequência ajuda-nos a nos concentrar, a nos mover para o centro, a criar uma tranquilidade interior e, assim, a ouvir a voz de Deus. Quando simplesmente tentamos ficar sentados em silêncio e esperar que Deus nos fale, nos vemos bombardeados por intermináveis pensamentos e idéias conflitantes. Mas quando usamos uma sentença bastante simples como: "Ó Deus, vem em meus auxílio", ou "Jesus, mestre, tem piedade de mim", ou uma palavra como "Senhor" ou "Jesus", é mais fácil deixar as muitas distrações passarem sem nos deixarmos iludir por elas. Essa oração simples, repetida com facilidade, esvazia aos poucos nossa vida interior apinhada e cria o espaço sossegado onde habitamos com Deus. É como uma escada pela qual descemos ao coração e subimos a Deus. Nossa escolha de palavras depende de nossas necessidades e das circunstâncias do momento, mas é melhor usar palavras da Escritura. (veja na página de Oração Centrante, como escolher a Palavra Sagrada).

Quando somos fiéis a essa oração simples e a praticamos com regularidade, ela nos conduz devagar a uma experiência de descanso e nos abre à presença ativa de Deus. Além disso, em um dia muito atarefado, podemos levar essa oração conosco. Quando, por exemplo, passamos, no início da manhã, 20 minutos sentados na presença de Deus com as palavras: "O Senhor é meu pastor", elas lentamente constroem em nosso coração um pequeno ninho para si mesmas e ali ficam o restante de nosso dia atarefado. Até enquanto falamos, estudamos, cuidamos do jardim ou construímos alguma coisa, a oração continua em nosso coração e nos mantém conscientes da orientação onipresente de Deus. A disciplina não é agora dirigida para um discernimento mais profundo do que significa chamar Deus de nosso Pastor, mas para a íntima experiência da ação pastoral de Deus em tudo que pensamos, dizemos ou fazemos.

INCESSANTE
A segunda característica da oração do coração é ser incessante. A pergunta de como seguir a ordem de Paulo: "Orai incessantemente" foi fundamental no hesicasmo desde a época dos monges do deserto até a Rússia oitocentista. Há muitos exemplos desse interesse nos dois extremos da tradição hesicástica. (Vejamos um dos principais:)
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Na famosa história do Peregrino Russo lemos:
"Pela graça de Deus sou cristão, mas pelas minhas ações sou um grande pecador... No vigésimo quarto domingo depois de Pentecostes, fui à igreja para ali fazer minhas orações durante a liturgia. Estava sendo lida a primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses e, entre outras palavras, ouvi estas: 'Orai incessantemente' (1Ts 5,17). Foi esse texto, mais que qualquer outro, que se inculcou em minha mente, e comecei a pensar como seria possível rezar incessantemente, já que um homem tem de se preocupar também com outras coisas a fim de ganhar a vida".

O camponês foi de igreja em igreja, para ouvir sermões, mas não encontrou a resposta que queria. Finalmente, encontrou um santostaretz que lhe disse:

"A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus. Para sermos bem-sucedidos nesse exercício consolador, precisamos suplicar com mais frequência a Deus que nos ensine a rezar sem cessar. Rezar mais e rezar com mais fervor. É a própria oração que lhe revela como rezá-la sem cessar; mas leva algum tempo".

Então, o santo staretz ensinou ao camponês a Oração de Jesus: "Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim". Enquanto viajava como peregrino pela Rússia, o camponês passou a repetir essa oração com os lábios. Até considerava a oração de Jesus sua companheira verdadeira. E, então, um dia, teve a sensação de que a oração passou sozinha de seus lábios para seu coração. Ele diz:

"... parecia que, pulsando normalmente, meu coração começava a dizer as palavras da oração a cada batida... Desisti de dizer a oração com os lábios. Passei simplesmente a ouvir o que meu coração dizia".

Aqui aprendemos outro jeito de chegar à oração incessante. A oração continua a rezar dentro de mim, até enquanto falo com os outros ou me concentro no trabalho manual. Ela se torna a presença ativa do Espírito de Deus que me guia pela vida

Desse modo vemos como, pela caridade e pela atividade da oração de Jesus em nosso coração, nosso dia todo se transforma em oração contínua. Não sugiro que imitemos o Peregrino Russo, mas que, também nós, em nosso ministério atarefado, nos preocupemos em rezar sem cessar, para que, seja o que for que comamos ou bebamos, seja o que for que façamos o façamos pela glória de Deus. (Veja 1Cor 10,31). Amar e trabalhar pela glória de Deus não pode permanecer uma idéia sobre a qual pensamos de vez em quando. Deve se tornar uma incessante doxologia interior.

INCLUI TUDO
Uma última característica da oração do coração é que ela inclui todos os nossos interesses. Quando entramos com a mente no coração e ali ficamos na presença de Deus, então todas as nossas preocupações mentais se transformam em oração. O poder da oração do coração é precisamente que, por meio dela, tudo que está em nossa mente se transforma em oração.

Quando dizemos a alguém: "Vou rezar por você", assumimos um compromisso muito importante. É uma pena que esse comentário muitas vezes não passe de uma expressão de interesse. Mas, quando aprendemos a descer com nossa mente em nosso coração, todos os que fazem parte de nossa vida são guiados à presença curativa de Deus e tocados por ele no centro de nosso ser. Falamos aqui de um mistério para o qual palavras são inadequadas. É o mistério em que o coração, centro de nosso ser, é transformado por Deus em seu coração, um coração grande o bastante para abraçar todo o universo. Pela oração, carregamos em nosso coração toda a dor e tristeza humanas, todos os conflitos agonias, toda a tortura e a guerra, toda a fome, solidão e miséria, não por causa de alguma grande capacidade psicológica ou emocional, mas porque o coração de Deus uniu-se ao nosso.

Aqui vislumbramos o sentido das palavras de Jesus:

"Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque eu sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. Sim, o meu jugo é fácil de carregar, e o meu fardo é leve" (Mt 11,29-30).

Jesus nos convida a aceitar seu fardo, que é o do mundo todo, um fardo que inclui o sofrimento humano em todos os tempos e lugares. Mas esse fardo divino é leve e podemos carregá-lo quando nosso coração se transforma no coração manso e humilde de nosso Senhor.

Vemos aqui o íntimo relacionamento entre oração e ministério. A disciplina de conduzir todo o nosso povo com suas lutas ao coração manso e humilde de Deus é a disciplina de oração e também do ministério. Enquanto o ministério significar apenas que nos preocupamos muito com as pessoas e seus problemas; enquanto significar um número interminável de atividades que dificilmente conseguimos coordenar, ainda dependeremos muito de nosso coração tacanho e ansioso. Mas quando nossas preocupações são elevadas ao coração de Deus e ali se transformam em oração, ministério e oração se tornam duas manifestações do mesmo amor universal de Deus.

Vimos como a oração do coração se nutre de orações breves, é incessante e inclui tudo. Essas três características mostram como a oração do coração é o alento da vida espiritual e de todo o ministério. Na verdade, essa oração não é apenas uma atividade importante, mas o próprio centro da nova vida que queremos representar e na qual queremos iniciar nosso povo. As características da oração do coração deixam claro que ela exige uma disciplina pessoal. Para levar uma vida de oração não podemos passar sem orações específicas. Precisamos dizê-las de uma forma que nos ajude a ouvir melhor o Espírito que reza em nós. Precisamos continuar a incluir em nossa oração todas as pessoas com as quais e para as quais vivemos e trabalhamos. Essa disciplina vai nos ajudar a passar de um ministério entontecedor, fragmentário e muitas vezes frustrante para um ministério integrador, holístico e muito gratificante. Ela não vai facilitar o ministério, mas simplificá-lo; não vai torná-lo doce e piedoso, mas sim espiritual; não vai fazê-lo indolor e sem lutas, mas tranquilo no verdadeiro sentido hesicástico."
*****
Capítulo extraído do livro "A Espiritualidade do Deserto e o Ministério Contemporâneo - O Caminho do Coração" - por Henri J. M.Nouwen - (indicado para os padres, mas também a todos que têm um ministério na Igreja, enfim a todos os cristãos.)
Ed. Loyola - ano 2000.

Fonte: http://www.padresdodeserto.net/ocor.htm

Inclusive, no catecismo da Igreja Católica comenta sobre os padres do deserto (espiritualidade primitiva da nossa Igreja é muito rica – confira os números abaixo do Catecismo da Igreja Católica)

Segue Abaixo: 

2667 - Esta [§27] invocação de fé muito simples foi desenvolvida na tradição da oração em várias formas no Oriente e no Ocidente. A formulação mais comum, transmitida pelos monges do Sinai, da Síria e do monte Athos é a invocação: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de nós, pecadores!" Esta associa o hino cristológico de (Fl 2,6-11 com o pedido do publicano e dos mendigos da luz. Por ela, o coração se põe em consonância com a miséria dos homens e com a Misericórdia de seu Salvador.

2668 - A invocação do santo nome de Jesus é o caminho mais simples oração contínua. Muitas vezes repetida por um coração humilde­mente atento, ela não se dispersa numa torrente de palavras (Mc 6,7), mas "conserva a Palavra e produz fruto pela perseverança. É possível "em todo tempo", pois não é uma ocupação ao lado de outra, mas a única ocupação, a de amar a Deus, que anima e transfigura toda ação em Cristo Jesus.

2669 - A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, como invoca o seu Santíssimo nome. Adora o Verbo encamado e seu Coração, que por nosso amor se deixou traspassar por nossos pecados. A oração cristã gosta de seguir o caminho da cruz (Via-Sacra), seguindo o Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao Túmulo, marcam o caminho de Jesus, que resga­tou o mundo por sua Santa Cruz.

Os Livros indicados para alimentarmos o gosto e a perseverança na oração, todos os dias, seguem abaixo. Quanto mais lermos os testemunhos destes monges, mais sentiremos vontade de orar.

Os Livros são:
A invocação do Nome de Jesus - Editora Paulus
Peregrino Russo - Relatos - Editora Paulus
Pequena Filocalia - Editora Paulus

segunda-feira, 30 de junho de 2014

CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II COM MOTIVO DO IX CENTENÁRIO DO FALECIMENTO DE SÃO BRUNO.


AO RVDO. PADRE, DOM MARCELLIN THEEUWES,Prior de Chartreuse, Ministro Geral da Ordem dos Cartuxos e a todos os membros da Família Cartusiana. 
1. No momento em que os membros da Família dos Cartuxos celebram o IX centenário da morte do seu Fundador, juntamente com eles dou graças a Deus que suscitou na sua Igreja a figura eminente e sempre atual de São Bruno. Numa oração fervorosa, ao apreciar o vosso testemunho de fidelidade à Sé de Pedro, uno-me de bom grado à alegria da Ordem cartusiana, que tem neste «pai bondoso e incomparável» um mestre de vida espiritual. A 6 de Outubro de 1101, «ardendo de amor divino», Bruno abandonava «as sombras fugitivas do século» para alcançar definitivamente os «bens eternos»1.
Os irmãos da ermida de Santa Maria da Torre, na Calábria, aos quais ele dera tanto afeto, não podiam duvidar que este dies natalis inaugurava uma aventura espiritual singular que ainda hoje dá abundantes frutos à Igreja e ao mundo. Testemunha da efervescência cultural e religiosa que, na sua época, agitava a Europa nascente, tendo tornado parte ativa na reforma que a Igreja desejava realizar perante as dificuldades internas com as quais se deparava, depois de ter sido um professor apreciado, Bruno sente-se chamado para se consagrar ao bem único que é o próprio Deus. «E o que há de melhor do que Deus? Existe outro bem, além do único Deus? Também a alma santa, que se apercebe desse bem, do seu incomparável fulgor, do seu esplendor, da sua bondade, arde com a chama do amor celeste e exclama: "Tenho sede do Deus forte e vivo, quando irei ver o rosto de Deus"2. O caráter radical desta sede estimulou Bruno, na escuta paciente do Espírito, a descobrir com os seus primeiros companheiros um estilo de vida eremita, onde tudo favoreça a resposta à chamada de Cristo que, em todos os tempos, escolheu homens «para conduzi-los à solidão e uni-los num amor íntimo»3. Mediante estas escolhas de «vida no deserto», Bruno convida desde o início toda a comunidade eclesial «a nunca perder de vista a vocação suprema, que permanecer sempre com o Senhor»4.
Bruno evidencia o seu profundo sentido de Igreja ele que foi capaz le esquecer o «seu» projeto para responder aos apelos do Papa.
Consciente de que a caminhada pelas longas estradas da santidade não ;e concebe sem a obediência à Igreja, ele mostra-nos também que o verdadeiro caminho no seguimento de Cristo exige o entregar-se nas suas mãos, manifestando no abandono de si um acréscimo de amor. Esta atitude mantinha-o sempre na alegria e no louvor constantes. Os seus irmãos observaram que «tinha sempre o rosto repleto de alegria e a palavra modesta»5. Estas palavras delicadas dos Títulos Fúnebres exprimem a fecundidade de uma vida dedicada à contemplação do rosto de Cristo, fonte de eficácia apostólica e força de caridade fraterna. Possam os filhos e as filhas de São Bruno, seguindo o exemplo do seu pai, continuar a incansavelmente a contemplar Cristo, montando desta forma «uma guarda santa e perseverante, na expectativa da vinda do seu Mestre para lhes abrir logo que ele bater à porta»6, isto constitui um apelo encorajador a que todos os cristãos permaneçam vigilantes na oração a fim de acolher o seu Senhor!
2. Depois do Grande Jubileu da Encarnação, a celebração do nono centenário da morte de São Brunoadquire hoje um ulterior relevo. Na Carta Apostólica Novo millennio ineunte convido todo o povo de Deus a partir de Cristo, a fim de permitir que todos os que têm sede de sentido e de verdade ouçam bater o coração de Deus e o coração da Igreja.  A Palavra de Cristo, «estarei sempre convosco, até ao fim, do mundo» (Mateus 28 20), convida todos os que têm o nome de discípulos a tirarem desta certeza umrenovado impulso na sua vida cristã, força inspiradora do seu caminho7. A vocação para a oração e para a contemplação, que caracteriza a vida da Cartuxa, demonstra de modo particular que só Cristo pode dar à esperança humana uma plenitude de significado e de alegria.
Então, como duvidar um só instante que uma semelhante expressão do puro amor dê à vida da Cartuxa uma extraordinária fecundidade missionária? No retiro dos mosteiros e na solidão das celas, paciente e silenciosamente, os Cartuxos tecem as vestes nupciais da Igreja, «bela como uma esposa que se ataviou para o seu esposo» (Apocalipse 21, 2); eles apresentam quotidianamente o mundo Deus e convidam toda à humanidade para a festa nupcial do Cordeiro. A celebração do sacrifício eucarístico constitui a fonte e o auge de toda a vida no deserto, conformando com o próprio ser de Cristo todos os
que se abandonam ao amor, a fim de tornar visíveis a presença e a ação do Salvador no mundo, para asalvação de todos os homens e para a alegria da Igreja.
3. No coração do deserto, lugar, de prova e de purificação da fé, o Pai conduz os homens por um caminho de despojamento que se opõe a qualquer lógica do possuir, do sucesso e da felicidade ilusória. Guigo, o Cartuxo, não se cansava de encorajar todos os que desejavam viver segundo o ideal de São Bruno a «seguir o exemplo de Cristo pobre (para) participar nas suas riquezas»8. Este despojar-se requer uma ruptura radical com o mundo que não é desprezo do mundo, mas uma orientação tomada para toda a existência numa busca assídua do supremo Bem: «Vós me seduzisses, Senhor, e eu me deixei seduzir» (Jr 20,7). Feliz é a Igreja que pode contar com o testemunho dos Cartuxos, de total disponibilidade ao Espírito e de uma vida inteiramente dedicada a Cristo! Por conseguinte, convido os membros da Família dos Cartuxos, através da santidade e da simplicidade da sua vida, a permanecer como uma cidade em cima do monte e como uma luz sobre o lampadário (cf.Mt 5, 14-15). Radicados na Palavra de Deus, saciados pelos Sacramentos da Igreja, amparados pela oração de São Bruno e dos irmãos, eles permanecem em toda a Igreja e no centro do mundo «lugares de esperança e de descoberta das bem-aventuranças, lugares onde o amor, haurindo na fonte da comunhão que é a oração, é chamado a tornar-se lógica de vida e fonte de alegria»9. Expressão sensível de uma
oferta de toda a vida vivida em união com a de Cristo, a vida de clausura, fazendo sentir a precariedade da existência, convida a contar unicamente com Deus. É também «o lugar da comunhão espiritual com Deus e com os irmãos e irmãs, onde a limitação dos espaços e dos contactos ajuda à interiorização dos valores evangélicos»10. De fato, a busca de Deus na contemplação é inseparável do amor dos irmãos, amor que nos faz reconhecer o rosto de Cristo no mais pobre dos homens. A contemplação de Cristo vivida na caridade fraterna continua a ser o caminho mais seguro da fecundidade de qualquer vida. São João não deixa de recordá-lo: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus é todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece” (1Jo 4,7). São Bruno compreendeu isto muito bem, ele que nunca separou a prioridade que durante toda a sua vida conferiu a Deus da profunda humanidade de que era testemunha entre os seus irmãos.
4. O IX centenário do dies natalis de São Bruno oferece-me a oportunidade de renovar a viva confiança à Ordem dos Cartuxos na sua missão de contemplação gratuita e de intercessão pela Igreja e pelo mundo. A exemplo de São Bruno e dos seus sucessores, os mosteiros dos Cartuxos não cessam de despertar a Igreja para a dimensão escatológica da sua missão, recordando as maravilhas que Deus realiza e vigiando na expectativa do cumprimento último da esperança11. Sentinela incansável do Reino que há de vir, procurando “ser” antes de “fazer”, a Ordem dos Cartuxos dá à Igreja vigor e coragem na sua missão, para se fazer ao largo e permitir que a Boa Nova de Cristo acenda toda a humanidade. Nestes dias de festa da Ordem, rezo ardentemente ao Senhor para que faça ressoar no coração de numerosos jovens o apelo a deixar tudo para seguir Cristo pobre, ao longo do caminho exigente mas libertador do percurso dos Cartuxos. Além disso, convido os repousáveis da família dos Cartuxos a responder sem receio aos apelos das jovens Igrejas, para fundar mosteiros nos seus territórios.
Com este espírito, o discernimento e a formação dos candidatos que se apresentam devem ser objeto de uma atenção renovada por parte dos formadores. De fato, a cultura contemporânea, marcada por um forte sentimento hedonista, pelo desejo de possuir e por uma concepção errônea da liberdade, não facilita a expressão da generosidade dos jovens que desejam consagrar a sua vida a Cristo, escolhendo percorrer, no seu seguimento, o caminho de uma vida de amor oblativo, de serviço concreto e generoso. A complexidade do caminho pessoal, a fragilidade psicológica, as dificuldades de viver a fidelidade no tempo, convidam a fazer com que nada seja descuidado, a fim de oferecer a todos os que pedem para entrar no deserto da Cartuxa uma formação que inclua todas as dimensões da pessoa. Além disso, dar- se - á uma particular atenção à escolha de formadores capazes de seguir os candidatos ao longo do
caminho da libertação interior e da docilidade ao Espírito Santo. Por fim, sabendo que a vida fraterna é um elemento fundamental do caminho das pessoas consagradas, convidar-se-ão as comunidades a viver sem reservas o amor recíproco, criando um clima espiritual e um estilo de vida conformes com o carisma da Ordem.
5. Queridos filhos e amadas filhas de São Bruno, como recordei no final da Exortação pós-sinodal Vita consecrata, «Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai o futuro, para o qual vos projeta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas»12. No coração do mundo, tornai a Igreja atenta à voz do Esposo que fala ao seu coração: «Tende confiança! Eu venci o mundo» (Jo 16,33). Encorajo-vos a nunca renunciar às intuições' do vosso fundador, mesmo se o empobrecimento dascomunidades, a diminuição das entradas e a incompreensão suscitada pela vossa escolha de vida radical vos possam fazer duvidar da fecundidade da vossa Ordem e da vossa missão, cujos frutos pertencem misteriosamente a Deus!
A vós, estimados filhos e queridas filhas da Cartuxa, que sois os herdeiros do carisma de São Bruno, compete conservar em toda a sua autenticidade e profundidade a especificidade do caminho espiritual que ele vos mostrou com a sua palavra e o seu exemplo. O vosso apreciado conhecimento de Deus, alimentado na oração e na meditação da sua Palavra, convida o povo de Deus a alargar o próprio olhar até aos horizontes de uma humanidade nova e rica da plenitude do seu sentido e unidade. A vossa pobreza oferecida para a glória de Deus e a salvação do mundo é uma eloqüente contestação das lógicas de rendimento de eficácia que, muitas vezes, fecham o coração dos homens e das nações às verdadeiras necessidades dos seus irmãos. A vossa vida escondida com Cristo, como Cruz silenciosa plantada no coração da humanidade redimida, permanece de fato para a Igreja e para o mundo o sinal eloqüente e a chamada permanente do fato que cada ser, hoje como ontem, se pode deixar prender por Aquele que é amor.
Ao confiar todos os membros da família da Cartuxa à intercessão da Virgem Maria, Mater sillgularis Cartllsiensium, Estrela da evangelização do terceiro milênio, concedo-vos a afetuosa Bênção apostólica, que faço extensiva a todos os benfeitores da Ordem.

Vaticano, 14 de Maio de 2001.

JOÃO PAULO, PP. II

CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA "UMBRATILEM" DO PAPA PIO XI


Com ela foram provando os Estatutos da Ordem Cartusiana,revisados segundo as prescrições do Código de Direito Canônico de 1917.

1. Aqueles que, por estado, levam uma vida de retiro e solidão afastada do estrépito e loucuras do mundo para se dedicarem não só à contemplação dos divinos mistérios e das verdades eternas, mas também para suplicar a Deus,com fervorosas e incessantes preces, a extensão do Seu reino e a expansão da Igreja, e para expiarem, não tanto os pecados próprios como os alheios, mediante os exercícios depenitência interior e exterior, impostas ou voluntárias, estes, – deve proclamar-se com verdade –,escolheram, com Maria de Betânia, a melhor parte.
2. Porque, efetivamente, não se pode propor aos homens um gênero de vida mais perfeito, se para isso forem chamados pelo Senhor. Tanto pela sua íntima união com Deus como pela sua santidade interior, os seguidores desta vida oculta e solitária nos claustros contribuem grandemente obra suster o resplendor da santidade que e Esposa imaculada de Cristo oferece aos olhos de todos para que a admirem e imitem.
3. Por isso, não, de admirar que os antigos escritores eclesiásticos para louvar a eficácia inerente às orações destes religiosos, chegaram compará-la à oração de Moisés, lembrando o seguinte fato de todos conhecidos.
4. Quando Josué lutava na planície contra os amalecitas, Moisés, orava no cimo do monte: quando este levantava as mãos para o alto, os Israelitas venciam, e quando, fatigado, deixava-as cair, eram os Amalecitas que ganhavam. Em vista disso, acudiram Aarão e Hur duma e outra parte e sustentaram-lhe os braços, pelo que Josué saiu vitorioso.
5. Neste fato temos um magnífico símbolo destes religiosos, cujas preces são valorizadas pelo augusto sacrifício do Altar e pelo exercício da penitência, representados por Aarão e Hur. Porque, como já o temos dito essa é a ocupação habitual e principal destes solitários, investidos dum cargo até certo ponto público, oferecer-se e imolar-se e Deus como hóstias de paz para a salvação de todos.
6. Por isso, esta vida de perfeição, muito mais proveitosa para a sociedade do que se pensa, propagou se na Igreja desde os mais remotos tempos. Porque, sem necessidade de falar agora dos "ascetas", que desde as origens do cristianismo levaram nas suas casas uma vida austera que próprio São Cipriano chegou a considerá-los como "a porção mais ilustre do rebanho de Cristo”, sabe-se que com certeza que durante a perseguição de Décio, um número considerável de fiéis de Egito buscaram um refúgio nas regiões desérticas de sua pátria. Ali experimentaram quanto ajuda a solidão para levar uma vida perfeita, e preferiram continuar no deserto mesmo depois de ter cessado a perseguição.
7. Destes anacoretas (cujo número foi tão grande que se chagou afirmar que o deserto estava tão povoado como as cidades), uns continuaram vivendo afastados de todo o trato com os homens, e outros, guiados por Santo Antão, reuniram-se em Lauras. Desta maneira foi nascendo pouco a pouco a prática da vida comum, organizada e regulada por determinadas leis, que rapidamente se estendeu por todo o Oriente, depois pela Itália, Galias e África do Norte, surgindo mosteiros por toda a parte.
8. Esta instituição (que se baseava inteiramente na entrega absoluta à divina contemplação das realidades celestes) de monges que viviam no segredo das suas celas, livres e desligados de todo ó ministério exterior, foi duma admirável utilidade para a sociedade cristã. Com efeito, tanto o povo como o clero daquelas épocas não podia menos de considerar com grande proveito o exemplo daqueles homens que, arrebatados pelo amor de Cristo para quanto há de mais perfeito e austero, imitavam a vida interior que o Senhor levou em Nazaré e completavam, como vítimas consagradas a Deus, o que falta aos sofrimentos de Cristo na Sua paixão.
9. Com o tempo, porém, esta tão perfeitíssima instituição da chamada vida contemplativa perdeu qualquer coisa do seu primitivo fervor. Porque os monges misturaram quase insensivelmente a contemplação das coisas divinas com as obras da vida ativa. O qual sucedeu por necessidade de socorrerem os padres, às instancias dos Bispos, no trabalho apostólico, ou de se entregarem à instrução 2 popular que Carlos Magno promovia. Unia-se a isto a perturbação geral das guerras e outros acontecimentos daquela época, que produziriam nos mosteiros certa relaxação.
10. Vê-se logo, pois, quanto interessava à Igreja que esse gênero e estilo de vida, com tantos séculos de história gloriosa, voltasse a ser o que antes fora. Assim nunca faltariam na Igreja intercessores que livres de qualquer outra ocupação, implorassem sem descanso a divina misericórdia e fizessem descer do céu sobre os homens, demasiado preocupados com as coisas terrenas e esquecidos das celestiais e da eterna salvação, toda a espécie de benefícios.
11. Na Sua infinita bondade, Deus não cessa jamais de remediar as necessidades da Sua Igreja a de valar pelos seus interesses, e com este fim escolheu São Bruno, varão de eminente santidade, para volver à vida contemplativa a sua pureza e esplendor primitivos. Este foi o motivo de ter fundado a Ordem Cartusiana, à qual soube infundir o seu próprio espírito e dar-lhe umas leis capazes da mover eficazmente os religiosos, livres de toda a função e atividade exterior, a percorrer com mais rapidez o caminho da santidade interior e na mais rigorosa penitência, sentindo-se, ao mesmo tempo, animados a perseverar sem desfalecer nessa mesma austeridade.
12. Os Cartuxos, como é sabido, têm guardado tão perfeitamente durante nove séculos o espírito do seu Fundador e Legislador, que, ao contrário do que acontece noutras Ordens, jamais têm necessitado de correção ou "reforma".
13. Quem não sente admiração por estes homens, que se afastam totalmente e para toda a vida da companhia dos homens para trabalhar, num apostolado silencioso e oculto pela salvação dessa mesma sociedade que deixam; para viverem numa solidão tão perfeita que por nenhuma causa nem necessidade nem nenhum tempo abandonam durante todo o ano? Reúnem-se na igreja do mosteiro em determinadas horas do dia e da noite não para salmodiar, como as outras Ordens, mas sim para cantar animadamente e com entusiasmo, "com voz clara e sustida", sem órgão ou outros instrumentos o Divino Ofício completo, conforme as antigas melodias gregorianas dos seus livros litúrgicos. Como o Bondoso Deus não escutaria as súplicas de tão piedosos religiosos que assim clamam a Ele pelas necessidades da Sua Igreja a pela conversão dos homens?
14. Da mesma maneira que Bruno gozou de estima e benevolência do nosso antecessor Urbano II, que em Reims fora discípulo de tão devotíssimo varie, ao qual chamou depois para junto de si com o fim de tê-lo como conselheiro, assim a Ordem Cartusiana tem desfrutado sempre da graça da Sé Apostólica, pois além de tudo o mais bastava só a sua simplicidade e santa rusticidade de vida para recomendá-la. E hoje continua a ser amada por Nós que, não menos que nossos Antecessores, desejamos a extensão e o progresso desta Ordem tão proveitosa.
15. Com efeito, se em tempos passados foi necessária e existência e o apogeu de tais anacoretas, nunca como hoje foi tão necessária. Vemos, na verdade, tantos cristãos entregues sem freio às riquezas e aos prazeres do corpo, com desprezo das coisas do alto e até com total esquecimento da eterna salvação, professando privada e publicamente uns costumes pagãos, em tudo opostos ao Evangelho.
16. Talvez não faltarão quem ainda pense que já não são do nosso tempo as, virtudes impropriamente chamadas passivas, a que em lugar da antiga disciplina claustral há que fomentar agora uma mais ampla e livre prática das virtudes chamadas ativas. Mas tal opinião, condenada, refutada e banida por nosso antecessor Leão XIII, de imortal memória, na sua Carta "Testem Benevolentiæ" de 22 do Janeiro de 1899, é evidentemente injuriosa e funesta, tanto para a teoria como para a prática da perfeição cristã.
17. Por outra parte, facilmente se compreende que contribuem muito mais para o incremento da Igreja e para a salvação do gênero humano os que assiduamente cumprem com seu dever de oração e penitência, que aqueles que com seus suores e fadigas cultivam o campo do Senhor; pois se aqueles não fizessem descer do Céu a abundância das divinas graças para regar esse campo, os operários evangélicos não conseguiriam nos seus trabalhos senão muito escassos frutos.
18. Não é necessário que Nós digamos como é grande a esperança que nos infundem os monges cartuxos: obedecendo a regra própria da Ordem, não só com exatidão, mas com generosos impulsos do espírito, a sua alma encontrará, em virtude dessa mesma regra, um meio eficaz para se elevar a santidade mais elevada, e convertir-se-ão estes religiosos em poderosíssimos intercessores para todo o povo cristão. 3
19. Estes Estatutos, pelos quais se governa a Ordem, mereceram do nosso Antecessor Inocêncio XI uma aprovação particularmente solene, chamada "specífico modo", dada na Constituição “Injunctum Nobis" de 27 de Março de 1688. Grandes são os elogios que nesse Documento tributou à vida cartusiana, tanto mais valiosos quanto proferidos por um Pontífice ilustre pela sua santa vida, o qual não hesitou em escrever que os Papas sempre tinham considerado a Ordem Cartusiana “como uma árvore boa plantada pela mão do Senhor no campo da Igreja militante, e que produzia constantemente copiosos frutos de justiça", e que ele próprio “levava no mais íntimo do coração a mencionada Ordem e as pessoas da mesma que não cessavam de servir a Deus ocupados na sublime contemplação das coisas divinas".
20. Fazendo-se necessário acomodar os Estatutos ao Código de Direito Canônico, os Superiores da Ordem reuniram-se em Capítulo Geral para estudar esse assunto de comum acordo. Assim fizeram-no, com efeito, e muito acertadamente, suprimindo certos pontos introduzidos pelo uso, mas que já, sem menosprezo do essencial, podiam considerar-se antiquados, e incluindo algumas Ordenações dos Capítulos Gerais. Repassados e emendados dessa forma os Estatutos, fora apresentados em língua latina, â Sagrada Congregação dos Religiosos. O teor dos Estatutos, é como segue:
…………………………………………………………………………………………..
Aqui vai o texto mesmo dos Estatutos
………………………………………………………………………..
Tendo-nos suplicado humildemente o Superior Geral e os Capitulares da Ordem Cartusiana que aprovássemos com a autoridade apostólica estes Estatutos que vão incluídos na presente Constituição, de boa vontade decidimos aceder aos seus desejos. Portanto, aprovamos e confirmamos com a nossa autoridade apostólica os Estatutos da ordem cartusiana, como se contêm nas linhas precedentes, corrigidos e revisados; acrescentando-lhes o vigor da inefável firmeza apostólica, e se algum defeito se achar neles, nós o suprimimos. Já sabemos que os religiosos Cartuxos não precisam de qualquer exortação nossa para cumprir doravante com constância e fidelidade as suas Regras como até hoje, com todo o fervor. Todavia, com o fim de os estimularmos e também de os oferecermos mais outra prova da nossa paternal benevolência, lhes concedemos para sempre, que possa lucrar cada ano indulgência plenária visitando a igreja do mosteiro e cumprindo as demais acostumadas condições, aos 8 de Julho, data para eles muito memorável.
Esta é a nossa vontade; e estabelecemos que a presente Constituição e os Estatutos nela incluídos sejam e permaneçam firmes, válidos e eficazes para sempre; que surtam os afeitos, planos e íntegros; e que recebam toda a força em favor daqueles para quem estão dados, no presente e no futuro. Assim deve ser admitido por todos e se se atentar qualquer coisa contra isto, desde já fica anulado, seja o que for, não importa quem o fizer, ou com que autoridade. Sem que se oponha nada, por muito digno da atenção que seja. E queremos que as copias desta Constituição façam fé, mesmo impressas, como se fosse o original, com tal que levem a assinatura dum notário público e o carimbo de alguma dignidade eclesiástica.
Dado em Roma, em São Pedro, aos 8 do Julho de 1924, no terceiro ano do nosso pontificado.

PIO, PP. XI.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Heranças do Deserto Cristão.

As comunidades contemplativas que temos conhecimento hoje têm por fundamento a vasta experiência adquirida dos padres e mães do deserto. Algumas se concretizaram do desejo de viver a mesma forma de seguimento, sob a orientação desses homens e mulheres que alcançaram pela austeridade de vida um conhecimento profundo do que é o homem, ao passo que ascendiam em sua intimidade com Deus. Essas comunidades estabelecidas, que se perpetuaram ao longo dos séculos até os nossos dias são por assim dizer ‘heranças da espiritualidade do deserto cristão’. Se por um lado a solidão dos desertos pôde gerar um bem imensurável para Igreja, ao gerar homens e mulheres sábios, por outro essa realidade nem sempre foi tão fácil de ser imitada – em se tratando das almas débeis – o que diferentemente numa comunidade pode se contar com o auxílio caritativo dos irmãos na subida para uma estreita comunhão espiritual consigo mesmo, com Deus e com o todo à sua volta.

 É a partir dessa realidade que apresentamos abaixo algumas comunidades remanescentes deste estilo de vida específico:

Beneditinos





Cistercienses



Cartuxos



Camaldulenses


Carmelitas



Concepcionistas


Agostinianos


Clarissas


Irmãozinhos de Jesus




Obs.: As comunidades acima apresentadas são uma pequena parte dentre tantas outras existentes pelo orbe, e, que formam de maneira particular – por meio da comunhão de vida – a grande família dos que seguem o luminoso patrimônio humano e espiritual deixado pelos primeiros monges do deserto.






Amor que anseias ser Amado.



Desde a primeira vez que entrei em contato com a vida de São Bruno há manifestado uma admiração, pelo seu comovente amor por Deus, e sua fidelidade a esse amor me tocou no mais íntimo do meu ser, fazendo me apaixonar por esse carisma cartusiano, palavras não seriam suficientes para descrever tamanho amor que tenho por essa Ordem, e ser cartuxo é dar sentido a tudo isso, é dar ao coração algo infinito para amar, e a esse Amor que anseias ser amado, quero me abandonar, deixando tudo que, no entanto não é nada comparado a esse Divino Amor. Anseio por esta solidão, mas não uma solidão pela solidão ou por descaso do mundo, pelo contrário por amor ao mundo e as pessoas, ter a solidão como instrumento que me proporcionará essa constância estadia junto ao Meu Bem Precioso, é o “Vigiai e Orai”, “faça-se em mim segundo a Vossa vontade”, pois sei que no seio da solidão encontra-se um Amor incomparável que não pode ser igualado por nenhum outro amor, “Dai-me de beber”.

            Sei que somos chamados a viver a nossa vocação em qualquer estado de vida, e que o importante é viver a realização de nossa vida em Deus. Não busco esconder-me do mundo, mas abrir-me ao mundo, me aproximando de Deus na intimidade do silêncio, no trabalho e na oração. Assim como a árvore enterra suas raízes bem fundas na terra para estender suas copas sempre mais altas para os céus, quero também fixar as minhas raízes na vida pra crescer ao encontro do Divino.