Com ela foram provando os
Estatutos da Ordem Cartusiana,revisados segundo as prescrições do Código de
Direito Canônico de 1917.
1. Aqueles que, por estado, levam
uma vida de retiro e solidão afastada do estrépito e loucuras do mundo para se
dedicarem não só à contemplação dos divinos mistérios e das verdades eternas,
mas também para suplicar a Deus,com fervorosas e incessantes preces, a extensão
do Seu reino e a expansão da Igreja, e para expiarem, não tanto os pecados
próprios como os alheios, mediante os exercícios depenitência interior e
exterior, impostas ou voluntárias, estes, – deve proclamar-se com verdade –,escolheram,
com Maria de Betânia, a melhor parte.
2. Porque, efetivamente, não se
pode propor aos homens um gênero de vida mais perfeito, se para isso forem
chamados pelo Senhor. Tanto pela sua íntima união com Deus como pela sua
santidade interior, os seguidores desta vida oculta e solitária nos claustros
contribuem grandemente obra suster o resplendor da santidade que e Esposa
imaculada de Cristo oferece aos olhos de todos para que a admirem e imitem.
3. Por isso, não, de admirar que
os antigos escritores eclesiásticos para louvar a eficácia inerente às orações
destes religiosos, chegaram compará-la à oração de Moisés, lembrando o seguinte
fato de todos conhecidos.
4. Quando Josué lutava na
planície contra os amalecitas, Moisés, orava no cimo do monte: quando este levantava
as mãos para o alto, os Israelitas venciam, e quando, fatigado, deixava-as
cair, eram os Amalecitas que ganhavam. Em vista disso, acudiram Aarão e Hur
duma e outra parte e sustentaram-lhe os braços, pelo que Josué saiu vitorioso.
5. Neste fato temos um magnífico
símbolo destes religiosos, cujas preces são valorizadas pelo augusto sacrifício
do Altar e pelo exercício da penitência, representados por Aarão e Hur. Porque,
como já o temos dito essa é a ocupação habitual e principal destes solitários,
investidos dum cargo até certo ponto público, oferecer-se e imolar-se e Deus
como hóstias de paz para a salvação de todos.
6. Por isso, esta vida de
perfeição, muito mais proveitosa para a sociedade do que se pensa, propagou se na
Igreja desde os mais remotos tempos. Porque, sem necessidade de falar agora dos
"ascetas", que desde as origens do cristianismo levaram nas suas
casas uma vida austera que próprio São Cipriano chegou a considerá-los como
"a porção mais ilustre do rebanho de Cristo”, sabe-se que com certeza que durante
a perseguição de Décio, um número considerável de fiéis de Egito buscaram um
refúgio nas regiões desérticas de sua pátria. Ali experimentaram quanto ajuda a
solidão para levar uma vida perfeita, e preferiram continuar no deserto mesmo
depois de ter cessado a perseguição.
7. Destes anacoretas (cujo número
foi tão grande que se chagou afirmar que o deserto estava tão povoado como as
cidades), uns continuaram vivendo afastados de todo o trato com os homens, e
outros, guiados por Santo Antão, reuniram-se em Lauras. Desta maneira foi
nascendo pouco a pouco a prática da vida comum, organizada e regulada por
determinadas leis, que rapidamente se estendeu por todo o Oriente, depois pela
Itália, Galias e África do Norte, surgindo mosteiros por toda a parte.
8. Esta instituição (que se
baseava inteiramente na entrega absoluta à divina contemplação das realidades
celestes) de monges que viviam no segredo das suas celas, livres e desligados
de todo ó ministério exterior, foi duma admirável utilidade para a sociedade
cristã. Com efeito, tanto o povo como o clero daquelas épocas não podia menos
de considerar com grande proveito o exemplo daqueles homens que, arrebatados
pelo amor de Cristo para quanto há de mais perfeito e austero, imitavam a vida
interior que o Senhor levou em Nazaré e completavam, como vítimas consagradas a
Deus, o que falta aos sofrimentos de Cristo na Sua paixão.
9. Com o tempo, porém, esta tão
perfeitíssima instituição da chamada vida contemplativa perdeu qualquer coisa
do seu primitivo fervor. Porque os monges misturaram quase insensivelmente a contemplação
das coisas divinas com as obras da vida ativa. O qual sucedeu por necessidade
de socorrerem os padres, às instancias dos Bispos, no trabalho apostólico, ou
de se entregarem à instrução 2 popular que Carlos Magno promovia. Unia-se a
isto a perturbação geral das guerras e outros acontecimentos daquela época, que
produziriam nos mosteiros certa relaxação.
10. Vê-se logo, pois, quanto
interessava à Igreja que esse gênero e estilo de vida, com tantos séculos de história
gloriosa, voltasse a ser o que antes fora. Assim nunca faltariam na Igreja
intercessores que livres de qualquer outra ocupação, implorassem sem descanso a
divina misericórdia e fizessem descer do céu sobre os homens, demasiado
preocupados com as coisas terrenas e esquecidos das celestiais e da eterna salvação,
toda a espécie de benefícios.
11. Na Sua infinita bondade, Deus
não cessa jamais de remediar as necessidades da Sua Igreja a de valar pelos
seus interesses, e com este fim escolheu São Bruno, varão de eminente
santidade, para volver à vida contemplativa a sua pureza e esplendor
primitivos. Este foi o motivo de ter fundado a Ordem Cartusiana, à qual soube
infundir o seu próprio espírito e dar-lhe umas leis capazes da mover eficazmente
os religiosos, livres de toda a função e atividade exterior, a percorrer com
mais rapidez o caminho da santidade interior e na mais rigorosa penitência,
sentindo-se, ao mesmo tempo, animados a perseverar sem desfalecer nessa mesma
austeridade.
12. Os Cartuxos, como é sabido,
têm guardado tão perfeitamente durante nove séculos o espírito do seu Fundador
e Legislador, que, ao contrário do que acontece noutras Ordens, jamais têm
necessitado de correção ou "reforma".
13. Quem não sente admiração por
estes homens, que se afastam totalmente e para toda a vida da companhia dos
homens para trabalhar, num apostolado silencioso e oculto pela salvação dessa
mesma sociedade que deixam; para viverem numa solidão tão perfeita que por
nenhuma causa nem necessidade nem nenhum tempo abandonam durante todo o ano?
Reúnem-se na igreja do mosteiro em determinadas horas do dia e da noite não
para salmodiar, como as outras Ordens, mas sim para cantar animadamente e com
entusiasmo, "com voz clara e sustida", sem órgão ou outros
instrumentos o Divino Ofício completo, conforme as antigas melodias gregorianas
dos seus livros litúrgicos. Como o Bondoso Deus não escutaria as súplicas de
tão piedosos religiosos que assim clamam a Ele pelas necessidades da Sua Igreja
a pela conversão dos homens?
14. Da mesma maneira que Bruno
gozou de estima e benevolência do nosso antecessor Urbano II, que em Reims fora
discípulo de tão devotíssimo varie, ao qual chamou depois para junto de si com
o fim de tê-lo como conselheiro, assim a Ordem Cartusiana tem desfrutado sempre
da graça da Sé Apostólica, pois além de tudo o mais bastava só a sua
simplicidade e santa rusticidade de vida para recomendá-la. E hoje continua a
ser amada por Nós que, não menos que nossos Antecessores, desejamos a extensão
e o progresso desta Ordem tão proveitosa.
15. Com efeito, se em tempos
passados foi necessária e existência e o apogeu de tais anacoretas, nunca como
hoje foi tão necessária. Vemos, na verdade, tantos cristãos entregues sem freio
às riquezas e aos prazeres do corpo, com desprezo das coisas do alto e até com
total esquecimento da eterna salvação, professando privada e publicamente uns
costumes pagãos, em tudo opostos ao Evangelho.
16. Talvez não faltarão quem
ainda pense que já não são do nosso tempo as, virtudes impropriamente chamadas passivas,
a que em lugar da antiga disciplina claustral há que fomentar agora uma mais
ampla e livre prática das virtudes chamadas ativas. Mas tal opinião,
condenada, refutada e banida por nosso antecessor Leão XIII, de imortal
memória, na sua Carta "Testem Benevolentiæ" de 22 do Janeiro de 1899,
é evidentemente injuriosa e funesta, tanto para a teoria como para a prática da
perfeição cristã.
17. Por outra parte, facilmente
se compreende que contribuem muito mais para o incremento da Igreja e para a
salvação do gênero humano os que assiduamente cumprem com seu dever de oração e
penitência, que aqueles que com seus suores e fadigas cultivam o campo do Senhor;
pois se aqueles não fizessem descer do Céu a abundância das divinas graças para
regar esse campo, os operários evangélicos não conseguiriam nos seus trabalhos
senão muito escassos frutos.
18. Não é necessário que Nós
digamos como é grande a esperança que nos infundem os monges cartuxos:
obedecendo a regra própria da Ordem, não só com exatidão, mas com generosos
impulsos do espírito, a sua alma encontrará, em virtude dessa mesma regra, um
meio eficaz para se elevar a santidade mais elevada, e convertir-se-ão estes
religiosos em poderosíssimos intercessores para todo o povo cristão. 3
19. Estes Estatutos, pelos quais
se governa a Ordem, mereceram do nosso Antecessor Inocêncio XI uma aprovação
particularmente solene, chamada "specífico modo", dada na Constituição
“Injunctum Nobis" de 27 de Março de 1688. Grandes são os elogios que nesse
Documento tributou à vida cartusiana, tanto mais valiosos quanto proferidos por
um Pontífice ilustre pela sua santa vida, o qual não hesitou em escrever que os
Papas sempre tinham considerado a Ordem Cartusiana “como uma árvore boa
plantada pela mão do Senhor no campo da Igreja militante, e que produzia
constantemente copiosos frutos de justiça", e que ele próprio “levava no
mais íntimo do coração a mencionada Ordem e as pessoas da mesma que não cessavam
de servir a Deus ocupados na sublime contemplação das coisas divinas".
20. Fazendo-se necessário
acomodar os Estatutos ao Código de Direito Canônico, os Superiores da Ordem
reuniram-se em Capítulo Geral para estudar esse assunto de comum acordo. Assim
fizeram-no, com efeito, e muito acertadamente, suprimindo certos pontos
introduzidos pelo uso, mas que já, sem menosprezo do essencial, podiam
considerar-se antiquados, e incluindo algumas Ordenações dos Capítulos Gerais.
Repassados e emendados dessa forma os Estatutos, fora apresentados em língua
latina, â Sagrada Congregação dos Religiosos. O teor dos Estatutos, é como
segue:
…………………………………………………………………………………………..
Aqui vai o texto mesmo dos Estatutos
………………………………………………………………………..
Tendo-nos suplicado humildemente
o Superior Geral e os Capitulares da Ordem Cartusiana que aprovássemos com a
autoridade apostólica estes Estatutos que vão incluídos na presente
Constituição, de boa vontade decidimos aceder aos seus desejos. Portanto,
aprovamos e confirmamos com a nossa autoridade apostólica os Estatutos da ordem
cartusiana, como se contêm nas linhas precedentes, corrigidos e revisados;
acrescentando-lhes o vigor da inefável firmeza apostólica, e se algum defeito
se achar neles, nós o suprimimos. Já sabemos que os religiosos Cartuxos não
precisam de qualquer exortação nossa para cumprir doravante com constância e
fidelidade as suas Regras como até hoje, com todo o fervor. Todavia, com o fim
de os estimularmos e também de os oferecermos mais outra prova da nossa
paternal benevolência, lhes concedemos para sempre, que possa lucrar cada ano
indulgência plenária visitando a igreja do mosteiro e cumprindo as demais
acostumadas condições, aos 8 de Julho, data para eles muito memorável.
Esta é a nossa vontade; e
estabelecemos que a presente Constituição e os Estatutos nela incluídos sejam e
permaneçam firmes, válidos e eficazes para sempre; que surtam os afeitos,
planos e íntegros; e que recebam toda a força em favor daqueles para quem estão
dados, no presente e no futuro. Assim deve ser admitido por todos e se se
atentar qualquer coisa contra isto, desde já fica anulado, seja o que for, não importa
quem o fizer, ou com que autoridade. Sem que se oponha nada, por muito digno da
atenção que seja. E queremos que as copias desta Constituição façam fé, mesmo
impressas, como se fosse o original, com tal que levem a assinatura dum notário
público e o carimbo de alguma dignidade eclesiástica.
Dado em Roma, em São Pedro, aos 8
do Julho de 1924, no terceiro ano do nosso pontificado.
PIO, PP. XI.
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