"E Jesus vendo a multidão
subiu num monte, e sentando-se, aproximaram-se dele os discípulos.
E abrindo a sua boca, os
ensinava, dizendo:
Bem-aventurados os pobres de
espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque
herdarão a terra.
Bem-aventurados os que tem fome e
sede de Justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados os
misericordiosos, porque encontrarão a Misericórdia.
Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a face e Deus.
Bem-aventurados os pacificadores,
porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem
perseguição por causa da Justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados sois vós, quando
vos injuriarem, perseguirem e mentirem, dizendo todo mal contra vós por minha
causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é
grande vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram os profetas que foram
antes de vós."
Mateus 5, 1-12
O Sermão da Montanha
O Sermão da Montanha do Evangelho
de Mateus é o texto mais importante do Novo Testamento. Aqui estão expressos os
principais conceitos do cristianismo e contém, sem dúvida, a síntese da
mensagem de Jesus. Afirmava Mahatma Gandi que se toda a literatura ocidental de
perdesse e restasse apenas o Sermão da Montanha, nada se teria perdido.
O Sermão começa com as
Bem-aventuranças, que são a síntese dos passos da iniciação cristã, que é o
processo de evolução do espírito em sua jornada terrena. Aqui estão descritos,
de um modo impressionante e com uma clareza cristalina, os passos que o homem
deve seguir para chegar ao Reino dos Céus.
Consiste da afirmação do passo
iniciático, seguida da afirmativa que se refere à conseqüência desse passo.
Seguem uma ordem ascendente. Os passos são citados iniciando da condição
terrena e material, que leva o espírito encarnado até sua libertação da cadeia
evolutiva deste Eon. Inicia, pois, com o homem terreno, puramente materialista.
que vive exclusivamente a matéria.
1 — Bem-aventurados os pobres de
espírito, por que deles é o Reino dos Céus.
No primeiro momento evolutivo, do
homem material, é preciso perceber que existe nele algo mais do que a matéria
que conhece. Que existe nele um espírito. Que existe um mundo que não é matéria,
que é algo que não conhece. Neste instante inicia-se sua evolução espiritual.
Passa a buscar as coisas espirituais! Torna-se um mendigo do espírito (uma das
traduções usadas para a frase).
Como não conhece nada deste mundo
novo ou do seu espírito, apercebe-se neste instante que é um pobre de espírito.
Põe o pé na Seara Evolutiva que vai trilhar neste seu período evolutivo
terreno.
Esta já é por si só uma assertiva
maravilhosa, mostrando de que modo o homem entra no caminho evolutivo deste
Eon.
Mais maravilhosa é a afirmativa
seguinte, conseqüência deste passo: "Porque dele é o Reino dos Céus".
Aqui está claro, aquele que põe o pé na seara inevitavelmente chegará ao fim!
Quando o homem se inicia no
caminho de mendigo do espírito fatalmente chegará ao Reino. Por bem ou por mal,
aquele que iniciou a seara chegará ao fim, porque nele está a potencialidade
divina que foi acordada pela sua vontade. A realização é inevitável,
simplesmente questão de mais ou menos tempo. Esta consolação maravilhosa que se
encontra na primeira bem-aventurança, vem para nos confortar, a nós que estamos
neste caminho.
Como pode-se ver, existe um
sentido muito mais profundo em cada palavra do Evangelho de Jesus. Basta que se
tenha "olhos de ver"!
2 — Bem-aventurados os que choram
e sofrem, porque serão consolados.
Tendo colocado o pé no caminho, o
homem inicia sua espiritualização. Passa a sentir-se como um estranho no mundo
material. As coisas do mundo não lhe dão mais a mesma satisfação e, não tendo
ainda a consolação das coisas do espírito, chora e sofre!
Neste momento o ser em evolução
encontra-se em total desespero; sente-se abandonado. Saiu de um mundo mas não
encontrou ainda outro.
Muitos de nós nos encontramos
neste estágio. Sentimos que existe um mundo maior, além do mundo, mas não
conseguimos penetrar nele. Permanecemos presos ao mundo em que vivemos, aos
seus valores. Por isto sofremos.
Mas, exatamente devido a este
sofrimento, somos impelidos a buscar o entendimento e a consolação. Buscando,
certamente encontraremos — "Busca e acharás".
A consolação está em todo canto;
basta que tenhamos "olhos de ver"
Desta forma, a consolação está
clara aqui nessas palavras do Evangelho — pelas quais já passamos tantas vezes
sem nunca termos visto a consolação que existe nelas. Os que sofrem serão
consolados!
3 — Bem-aventurados os mansos,
porque que herdarão a terra.
Esta bem-aventurança já foi muito
mal interpretada por ignorantes e interesseiros, que atribuem a ela a afirmação
de que o homem deve ser submisso à instituição religiosa, ser manso, e que
acena com a possibilidade de assim obterem ganhos materiais.
"Se aceitares as coisas da
igreja, neste mundo mesmo receberás a recompensa" – isto foi muito usado
para beneficiar aquele que "colaboravam".
Vamos à interpretação iniciática
cristã.
O homem que pôs o pé no caminho,
sentiu-se sozinho e buscou a consolação. Este homem não mais luta com as coisas
do mundo. Adquiriu a compreensão de que mundo material nada mais é do que a
manifestação de um mundo astral. Que não adianta bater de frente com as coisas
do mundo, elas têm uma Lei. Que a natureza tem um ritmo, contra o qual não é
possível lutar.
Com este entendimento torna-se
manso. Não luta contra as coisas do mundo, coloca-se na posição em que a corrente
do mundo flui. Coloca-se no "caminho perfeito".
Nesta situação, as coisas
terrenas passam a acontecer de modo a beneficiá-lo.
A natureza passa a trabalhar para
este homem manso. Ele usa suas forças para colocar-se na direção de receber o
que deseja, porque entende como a Lei se cumpre. Este homem é manso, mas não
covarde; é um grande lutador, que luta com sabedoria.
A conseqüências de ser assim
manso é herdar a terra. Os bens materiais lhe são dados em acréscimo.
É impressionante a seqüência do
passo com a conseqüência dele. Neste estágio encontram-se os homens que sabem
viver com o que possuem — podem ser ricos que usam bem sua riqueza, e podem ser
pobres que estão em harmonia com o que têm.
4 — Bem-aventurados os que tem
fome e sede de Justiça, porque encontrarão a Justiça.
O homem que herdou a terra, que
vive em paz com as coisas materiais, passa a ter uma aspiração ética mais
ampla. Já entendeu a Justiça do mundo. Procura encontrar no mundo a presença de
Deus.
Busca encontra a Justiça em tudo o
que vê: tem fome de Justiça!
Este já é um homem superior a
média, é o homem que do fundo do seu coração procura ser justo.
Nesta busca vai encontrar a mão e
Deus em tudo que ocorre no mundo. Vai entender a Lei do Carma.
Este homem entende que o momento
que vive foi criado por ele mesmo no passado. Com este entendimento encontra a
Justiça.
No passo anterior, conheceu a
Justiça do mundo, e aprendeu como as leis da natureza fazem a sua Justiça.
Neste passo entende a Justiça de Deus, a Justiça que comanda tudo que independe
do mundo.
5 — Bem-aventurados os
misericordiosos, porque encontrarão a Misericórdia.
Neste quinto passo iniciático, o
homem inicia-se no espírito de Deus. Passa a ter a compreensão de que existe
algo além da Justiça. Que há uma força maior do que a Lei. Que há alguma coisa
que o une aos outros homens. Este algo mais além da Justiça é a Misericórdia!
A semente dessa Misericórdia
existia em seu coração desde o início, mas o homem só tem condição de perceber
a Misericórdia depois de conhecer a Justiça.
A Misericórdia antes da Justiça
gera a desarmonia e o caos.
O sentimento de Misericórdia, que
estava escondido dentro de seu coração, manifesta-se neste momento e o homem se
torna misericordioso. Torna-se naturalmente misericordioso, como ocorre a cada
passo, confirmando a afirmação inicial de que quem põe o pé no caminho chegará
ao Reino dos Céus.
A conseqüência deste passo é que
encontrará a Misericórdia. Só sendo misericordioso é que se pode entender a
Misericórdia de Deus, pois esta não está em qualquer lógica ou raciocínio
humanos. Sendo misericordioso o homem encontrará a Misericórdia para elevá-lo
no caminho de Deus.
Não é por seus méritos que chegou
aqui e nem será por eles que seguirá adiante, é simplesmente pela Misericórdia
de Deus!
Encontramos poucos exemplos de
homens neste quinto passo iniciático. A verdadeira Misericórdia vem depois da
Justiça. Só é misericordioso quem foi Justo, fora disto temos pena e dó de
nossos semelhante, por egoísmo, porque vemos na sua mazela a possibilidade de
sofremos igual mazela.
A Misericórdia divina, por outro
lado, transcende nosso entendimento de Justiça terrena — podemos ter uma
compreensão disto no Livro de Jó.
6 — Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a face de Deus.
Neste sexto passo o homem se
identifica com Deus!
Já no passo anterior o homem
transcendeu ao mundo, já se encontra caminhando em terrenos do coração, onde a
lógica e o raciocínio humanos não alcançam.
Aqui o homem saiu de si, já não é
mais sozinho, encontrou Misericórdia por tudo e por todos. Este tudo e estes
todos fazem parte dele neste momento evolutivo. Todo o egoísmo saiu do seu
coração, e o homem torna-se um "puro de coração"!
Este é o momento evolutivo em que
o peregrino pode dizer "Eu e o Pai somos um"!
Neste momento a vontade do Homem
é a vontade de Deus!
Homem com H maiúsculo, porque
neste estágio se encontra o verdadeiro Homem, o unigênito, o primeiro nascido.
O Mestre Jesus, saindo de sua iniciação no deserto para ser batizado e iniciar
sua visa pública.
Este passo iniciático corresponde
ao Amor!
Só existe o verdadeiro amor
depois que se vence o mundo, que se conhece a Justiça e que se teve a
Misericórdia. Antes disto o amor é egoísmo!
A conseqüência deste passo é
clara": "ver a face de Deus". O peregrino deste passo
identifica-se com Deus, mas não é Deus.
"Eu e o Pai somos Um, minha
vontade é a vontade do Pai, mas eu não sou o Pai".
Nada mais claramente expressa
estas afirmações do que "ver a face de Deus".
7 — Bem-aventurados os
pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Poderíamos supor que o Homem que
está diante da face de Deus, que é uno com Ele, tivesse terminado sua
peregrinação evolutiva neste Eon. O evangelho ainda lhe reserva mais um passo.
Este Homem que verdadeiramente
amou o mundo, não poderia simplesmente partir liberto sozinho! Tem que levar
consigo os seus amados.
Não pode terminar sua
peregrinação sem que todos seus amados sejam também libertos. Tem que trazer a
Paz aos que ficaram para trás! "Bem-aventurados os pacificadores".
Este é o sétimo passo iniciático,
que é representado pela "Paixão de Cristo".
O Homem veio trazer a Paz a nós
todos que ficamos: "Eu vos dou a minha Paz", "Eu vos deixo a
minha Paz".
Não é possível deixar de voltar
para trazer a Paz àquele que verdadeiramente amou.
A conseqüência deste passo é aqui
expressa de uma maneira clara e cristalina. Eis o verdadeiro pacificador, que
será chamado "Filho de Deus "!
O filho de Deus está um passo
adiante daquele que vê a face de Deus. Além de ser uno em vontade é uno em
essência: é filho!
É impressionante como pode estar
contido tanto em tão poucas palavras, e de modo tão claro. Porém mais
impressionante é de que modo tais palavras têm sido distorcidas da realidade,
visando interesses terrenos e escusos.
8 — Bem aventurado os que sofrem
perseguição por causa da Justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Este é o passo do sofrimento de
Jesus na cruz.
Ali estava o filho de Deus
perseguido por causa da Justiça, sendo crucificado. É necessário que se seja
crucificado por causa desta Justiça e que nesta crucificação o iniciado seja
capaz de perdoar: "Pai perdoai os porque não sabem o que fazem".
Para ser filho de Deus é
necessário ser pacificador, mas para entrar no Reino é necessário este oitavo
passo, que decorre naturalmente de ser pacificador. O pacificador é perseguido
por causa da Justiça, e é crucificado porque não é mais deste reino terreno. É
do Reino dos Céus!
É bem-aventurado o que sofre esta
perseguição. Esta perseguição ocorre exatamente do atraso evolutivo dos amados
que ficaram.
A grandeza do ato do iniciado
fica expressa nesta perseguição, tanto maior quanto maior for o desnível
evolutivo entre este Homem e seus amados.
Esta oitava bem-aventurança vem a
ser também a afirmação de que todos nós que habitamos neste mundo seremos libertos
e atingiremos o Reino dos Céus.
Por bem ou por mal, cada um de
nós será um dia um Filho de Deus! Esta é uma consolação que Evangelho nos traz,
para que tenhamos ânimo na peregrinação terrena. Mesmo os que não mendigaram
pelas coisas do espírito e dessa forma puseram o pé na Seara, mesmos estes
terão o Reino, porque a Justiça os persegue.
Habita em cada um de nós o Deus
vivo e, mesmo que não tenhamos qualquer consciência disso, far-se-á a Justiça.
É justo que todos sejamos libertos!
Pela dor ou pelo amor trilharemos
cada um de nós esses passos iniciáticos até que o Cristo se manifeste em nós.
Neste passo praticamente se
encerra a peregrinação do iniciado neste Eon.
Este oitavo passo iniciático
termina com a afirmação idêntica à inicial: "Porque dele é o Reino dos
Céus".
9 —Bem-aventurados sois vós,
quando vos injuriarem, perseguirem e mentirem,
dizendo todo mal contra vós por
minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é
grande vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram os profetas que foram
antes de vós.
Pode parece estranho que no
Evangelho haja ainda nona bem-aventurança, que corresponderia a um novo passo
iniciático.
Aqui não é exatamente um novo
passo. A afirmativa é diferente: "Bem-aventurado sois vós".
Isto mostra que não se trata de
um novo passo.
Aqui está uma benção dirigida
àqueles que, entendendo a mensagem de Jesus, compreenderam que o Cristo está
dentro deles, e por este Cristo são perseguidos, injuriados e caluniados.
Este é o caminho iniciático
escolhido por aqueles que, pela dor e pelo sofrimento, optam por manifestar o
Cristo interno no mundo. Esta foi a opção dos profetas que nos precederam.
Esta opção só pode ser escolhida
por aqueles que. tendo uma percepção extra-sensorial, sentem a presença deste
Cristo interno. Estes são os profetas, quando acertam o caminho, e são os
loucos quando nele se perdem.
Este caminho é o caminho de
espadas do Tarô.
Está aqui expresso como uma
consolação oferecida aos discípulos e que foi mais tarde mal entendida pelos
Mártires.
Ver também O Sal da Terra,
Mateus 5, 13, continuação de "O Sermão da Montanha".
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